12.10.09

Sugestão para o Pelourinho: Guardadores de Carros

Cidade é loteada por guardadores de carro clandestinos

Perla Ribeiro | Redação CORREIO | Foto: Marina Silva

A via é pública, mas, para estacionar, independente de quanto tempo for permanecer, é preciso pagar. E, na alta estação, de acordo com estimativas do Sindicato dos Guardadores de Veículos do Estado da Bahia (Sindiguarda), chega a aumentar em até 60% o número de guardadores clandestinos.


Número de guardadores clandestinos aumenta 60% na alta estação
(Foto: Marina Silva)

Os valores cobrados variam de algumas moedas à bagatela de R$10 acrescidos do medo, da coerção e de duras ameaças. Cenário comum nas grandes metrópoles, Salvador também é uma cidade onde os espaços públicos têm donos que cobram caro por vagas de estacionamento.

Eles estão por toda parte, nas proximidades dos centros médicos, nas imediações das áreas comerciais, das praias, dos bares da moda, teatros, estádios de futebol e, principalmente, ao redor dos espaços de shows e ensaios de Verão.

É só um carro se aproximar que chegam correndo indicando o 'melhor' lugar para estacionar e, tão logo o condutor coloca os pés no chão, é pressionado a desembolsar a grana para ter direito à vaga. Se no passado os valores oscilavam entre R$ 2eR$5,alheios à crise econômica, sem cerimônia, há quem queira impor, na marra, o pagamento adiantado de R$10.

NA MARRA

A estudante Marcela Santos Neves, 24 anos, por exemplo, conta que foi seguida até a porta do teatro por um guardador querendo que ela tirasse o carro da vaga por não ter consentido em pagar R$10 antecipado. Durante o espetáculo, volta e meia se via pensando se ele teria danificado o veículo.

Para sua alegria, encontrou o carro intacto e nenhum sinal do guardador no local. A mesma sorte não teve a funcionária pública Layanne Damasceno Rocha, 28 anos.

Mesmo tendo pago os R$3 adiantados exigidos pelo guardador, foi surpreendida com o carro arrombado ao sair de uma festa. 'Hoje, evito estacionar quando estou sozinha', conta a funcionária pública que, por conta do medo, prefere pagar caro e ter a segurança de um serviço formal de manobrista a ter que negociar com guardadores clandestinos.

Outra vítima desse tipo de agressão foi o bancário Orlando Almeida, 30 anos. Era 1h da manhã quando voltava para casa e decidiu parar para comer um temaki no Rio Vermelho. Estacionou o carro tranquilamente e, aproximadamente uma hora depois, quando se preparava para deixar o local, foi surpreendido com os gritos raivosos de um guardador que apareceu.

Tão logo deu partida no veículo, um novo susto: o guardador atirara uma pedra no parabrisa traseiro. 'A polícia disse que não tinha nada a fazer, a não ser sair comigo na tentativa de identificarmos o meliante', contou o bancário, que trata a questão como um problema de segurança pública e, depois do incidente, passou a ficar mais apreensivo quando precisa estacionar na rua.

Enquanto o usuário considera uma extorsão ter que pagar R$10 para parar o carro em uma área pública, o guardador Maicon Conceição dos Santos, 22 anos, acha a cobrança legítima.

'Se eu olho o carro e o dono chega e encontra intacto, tem mais é que pagar. Pior é deixar sem ninguém olhando e acontecer alguma coisa', defende Santos, que há três anos atua no ramo clandestinamente.

Ele costuma bater ponto nas imediações do Teatro Castro Alves e da Concha Acústica e também nas proximidades de casas de shows. O trabalho lhe garante R$500 mensais, mas, na alta estação, o faturamento costuma dobrar. O valor cobrado por vaga, ele diz que depende da marca do carro, da aparência do proprietário e também da procura por vagas. 'Na Concha, cobro R$10 e antecipado', contou.

É 15 de janeiro, dia de Festa do Bonfim, e a Avenida Contorno teve todos os espaços possíveis ocupados por veículos. Amparado por uma muleta, Arivaldo Ramos de Freitas Araújo, 15 anos, está atento a todo o movimento de chegada e saída de veículos. 'A gente pede que pague adiantado, mas ninguém quer porque acha que, se der o dinheiro, a gente não fica até o fim', diz o adolescente.

Questionado se reage de forma grosseira quando o cliente não paga, ele nega e diz que os guardadores também são vítimas. 'Tem motorista que mete o carro em cima quando vamos cobrar', reclama.

MP diz que cabe ao município coibir irregulares

Ao obrigar o condutor a pagar para estacionar em uma área pública, o guardador comete dois crimes: o de constrangimento e o de extorsão. Embora o delito seja enquadrado no Código Penal, na capital baiana, quem se sente vítima dele não tem a quem recorrer.

Tanto o órgão municipal de trânsito, que agora responde pela nomenclatura de Transalvador – Superintendência de Trânsito e Transporte do Salvador, quanto a Polícia Militar se eximem da responsabilidade. Enquanto a Transalvador atribui o papel à polícia, ela o delega ao órgão de trânsito.

'O trânsito é uma responsabilidade do município. Quando acionados por ele, atuamos para preservar a ordem pública', alegou o diretor adjunto de comunicação da Polícia Militar, o tenente coronel, André Santos. Quanto à realização de um trabalho de inibição da atuação agressiva dos clandestinos, ele informa que teria que ser feito em parceria com o órgão de trânsito.

Embora reconheça que a implantação de estacionamentos ao longo das vias ajudaria a inibir a presença de guardadores não-credenciados, a Transalvador informou, através da sua assessoria de imprensa, que ainda está em análise o projeto para ampliação das áreas de zonal azul na cidade. Atualmente, elas somam 3.843 vagas.

Enquanto uma medida efetiva não é adotada, o Ministério Público já está se articulando para atacar a questão. De acordo com a promotora da 4ª Vara da Cidadania, Heliete Viana, cabe ao município adotar medidas de prevenção à atuação dos clandestinos, e à polícia reprimir os casos em que há lesões corporais, materiais e outras formas de agressão.

'Cabe ao estado investigar quando uma pessoa sofre agressão por uma conduta ilícita de um guardador e, ao município, dentro da sua faculdade de exercer poder de polícia no exercício da atividade profissional no espaço público. Como representante do interesse público, o município não pode permitir isso', explica.

Embora a profissão seja regulamentada e exista o Sindicato dos Guardadores de Carro (Sindiguarda), a estimativa é de que o número de profissionais que atuam na clandestinidade seja igual a de sindicalizados: cerca de mil.

'Assim como a prefeitura fiscaliza a presença de ambulantes não credenciados ou em espaços inadequados, também deveria coibir a atuação dos guardadores irregulares', propõe a promotora Heliete Viana. Ela deve se reunir, ainda este mês com o município para propor a assinatura de um termo de ajustamento de conduta.

Atuação de clandestinos preocupa Sindiguardas

Chova ou faça sol, há 40 anos Rosalvo dos Santos Santana, 45 anos, bate ponto no Porto da Barra. Durante anos reinou absoluto. Porém, há algum tempo, Lobinho, como é chamado, se viu obrigado a dividir os trocados com outros guardadores.


Atuação de clandestinos preocupa os guardadores sindicalizados
(Foto: Marina Silva)

Único sindicalizado e, consequentemente, autorizado para explorar a zona azul, ele não vê com bons olhos a presença dos colegas. 'Eles cobram antecipado, quando vou cobrar, os clientes já pagaram', reclama.

Embora assista situações em que os clandestinos destratam os clientes e vice-versa, ali ele tem autoridade: 'Quem manda aqui sou eu', diz o guardador, que chega a faturar R$50 por dia na alta estação.

Apesar da situação preocupar, o presidente do Sindiguardas, Melquisedeque de Souza, diz não ter como frear ou controlar a ação dos clandestinos. Ele diz que, se o sindicato não atuasse, a situação seria pior.

Para fazer parte da entidade é necessário apresentar antecedentes criminais, RG, CPF e comprovante de residência. 'É diferente dos que cobram R$10, R$15, extorquindo o usuário. A gente não cobra isso, a gente respeita a lei.

Qualquer um que se sentir extorquido por um guardador sindicalizado deve procurar o Sindiguarda que tomaremos as devidas providências. Isso implica em advertência ou suspensão', informa, acrescentando que basta informar o local que eles conseguem chegar até a pessoa.

Profissão é regulamentada por lei federal

Àqueles que pensam que, para ser guardador, basta escolher um ponto e entrar em ação, um alerta. Diferentemente do que muita gente imagina, há uma lei federal, a 6.242/75, que dispõe sobre o exercício da profissão de guardador e lavador autônomo de veículos automotores, e o Decreto 79.797/77, que regulamenta a profissão.

De acordo com a lei, só pode explorar a atividade o guardador ou lavador que estiver devidamente registrado na Delegacia Regional do Trabalho (DRT) e não possuir antecedente criminal.

A lei determina ainda que a concessão do registro só será feita mediante a apresentação de documento de identidade, atestado de bons antecedentes, certidão negativa dos cartórios criminais do domicílio do interessado e prova de quitação eleitoral e com o serviço militar.

Curta e longa duração foram instituídos em 2000

Na capital baiana foram regulamentados os estacionamentos de curta e longa duração em 2000. Face à demanda característica da área do Comércio, foram criados horários diferenciados de operação, com permanência de seis horas e 12 horas. Com a implantação de novas áreas de estacionamento, houve Estacionamentos são de curta ou longa duração um acréscimo de 718 vagas.

Pena pode chegar a quatro anos de prisão

Os guardadores irregulares podem ser enquadrados no Artigo 157 do Código Penal, que trata da extorsão, ou no 146, por constrangimento. A extorsão é caracterizada quando o guardador impede ou cria dificuldades para que o motorista estacione em local público sem pagar. Nesse caso, a pena pode chegar a quatro anos de prisão.

Juíza de Santa Catarina condenou flanelinha

Uma juíza de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, condenou, em agosto do ano passado, um flanelinha a quatro anos de prisão após ele tentar extorquir uma moradora da cidade. Em sua decisão, a juíza criticou o que classificou de 'loteamento' de vias públicas pelo país por guardadores informais de Promotora vai propor TAC carros.

(notícia publicada na edição de 18/01/2009 do CORREIO)

Publicado no Correio da Bahia

Nenhum comentário:

Postar um comentário